segunda-feira, 29 de março de 2010

Terry Gilliam: "Heath Ledger estava sempre lá"

25.03.2010
Por: Helen Barlow, em Toronto


A meio da rodagem de "Parnassus - o homem que queria enganar o diabo" (título em Portugal), o intérprete morreu. Três actores, Johnny Depp, Jude Law, Colin Farrell, prontificaram-se a salvar o projecto. Mas Heath Ledger "estava sempre lá", diz ao Ípsilon o realizador Terry Gilliam.

Com a mão debaixo do queixo e uma das suas coloridas camisas em forma de casaco - encontrámo-lo no Festival de Toronto -, Terry Gilliam, 68 anos, o Monty Python que se tornou realizador, começa a falar-nos de Heath Ledger, cuja morte abanou a sua vida.
"O rapaz que nunca se tornou num homem", diz, e não esconde as saudades na voz. "Embora fosse um homem, o que é estranho... Ele não morreu jovem, morreu com 240 anos. É por isso que ele dizia que tinha sangue aborígene. Era um rapaz sensato".

Começámos por Ledger porque o actor australiano votava uma admiração ao seu amigo cineasta - foi Gilliam que o ajudou a alcançar reconhecimento crítico, com "Os Irmãos Grimm" (2003). E, sobretudo, porque a morte de Ledger aconteceu a meio da rodagem de "The Imaginarium of Doctor Parnassus".

"Não é certo que Heath estivesse exausto por participar em demasiados projectos", diz o realizador. "De facto, estava cuidadosamente a evitá-los. No ano após 'O Segredo de Brokeback Mountain' [2005] ele aceitava e empilhava tudo o que lhe propunham. Está claro que o seu agente lhe dizia que o momento dele chegara, e Heath estava a encarar isso dessa forma. Mas depois decidiu que não queria fazer os filmes [como "The Tree of Life" de Terrence Malick, papel que iria para Brad Pitt]. Foi por isso que fez o Joker ['O Cavaleiro das Trevas']: um papel pequeno, que envolvia grande quantia de dinheiro, o que lhe dava liberdade".

Mas foi a morte de Ledger e as dificuldades que puseram em perigo "Parnassus - o homem que queria enganar o diabo" que, ironicamente, levaram Gilliam a trabalhar a sua capacidade de invenção. Foi preciso substituir o actor que interpretava a personagem de Tony, um membro de uma companhia de teatro itinerante. A solução foi pouco comum: Johnny Depp, Colin Farrell e Jude Law.

"O que teve piada foi que sempre [ao longo da carreira] tive escolher dentro de um rol de actores sem trabalho e, de repente, três dos mais conceituados quiseram ficar com o papel!" A personagem de Ledger ganha, assim, os rostos de Johnny, Jude e Colin, o que faz sentido porque sendo um vigarista é um homem de várias caras. "Eu vi Johnny no funeral de Heath. 'Queres fazê-lo?'. Ele respondeu: 'Espera um minuto, vou ter que pensar'. E depois disse que sim. Portou-se bem, mas estava apavorado".

O amor dos actores

Mesmo com os actores com pouco tempo, e com ensaios fora de questão, aconteceu algo mágico, conta Gilliam. "De alguma forma, sem personificarem Heath ou Tony, eles sabiam como ele era. Tinham energias semelhantes e puderam fazê-lo. Nenhum de nós trocara confidências sobre como é que as coisas funcionavam, o que faz daquilo que aconteceu uma coisa extraordinária. Quis nomear Heath como co-realizador do filme porque, de alguma forma, ele estava sempre lá."

O motivo para a inclusão dos três actores deveu-se ao facto de cada um deles poder mostrar um lado diferente da personagem que Ledger estava a desempenhar.
"Johnny é o gancho com os espectadores. E foi brilhante. Ele é o gajo fascinante, o único com língua afiada que pode conquistar-nos e fazer qualquer coisa. Jude teve que representar a ambição de Tony, alguém com a cabeça nas nuvens que, de repente, tem algo com que sempre sonhou. Depois aparece Colin e revela a verdadeira história: que Tony é um monstro. Foi a combinação correcta".

(É interessante reparar que os três actores são pequenos, Ledger era alto. "Podemos fazer qualquer coisa no cinema", graceja Gilliam.)
Ao fim e ao cabo, o realizador considera que trabalhou com Ledger na montagem. "Todos os dias ele estava no ecrã. 'Atira-te a isso' ou 'Oh merda! Porque é que fizeste isso?' Foi como se Heath estivesse bem vivo."

Os filmes de Gilliam não fazem o género de todos os actores, embora aqueles que os amam regressem sempre para mais. Depp já trabalhara com Gilliam em "Fear and Loathing in Las Vegas" (1998), enquanto Christopher Plummer (o octogenário canadiano que foi nomeado para o Oscar de melhor secundário pelo seu retrato de Leo Tolstoy em "The Last Station") aceitou o convite do realizador, com quem já trabalhara em "12 Macacos" (1995), para desempenhar Doctor Parnassus, o sábio imortal que fez um pacto com o Diabo e que erra com o seu espelho mágico, uma porta para dentro da imaginação de quem o atravessa - Tony/Ledger atravessa-o, e assim surgem os seus alter-egos, Depp, Farrell, Law.

"Isto é como Prospero e 'A Tempestade', como 'Rei Lear'; tem essa abrangência", diz Gilliam. "Parnassus teria que ser interpretado por este homem com incrível dignidade - apesar de eu suspeitar sempre que ele está a mentir, que é um inútil".

Plummer confessou já ter visto "Brazil" seis vezes e que continua a "não saber o motivo" pelo qual é fã daquilo a que chama "vintage Gilliam". "Terry sente-se sempre vagamente culpado por pôr demasiadas personagens e histórias nos filmes e depois não conseguir criar raízes com os espectadores. Desta vez, não o fez".

Filmar na zona antiga de Londres acrescentou autenticidade, mas não foi fácil, acrescenta. "Ficamos todos com pneumonia, Heath inclusive, mas pelo menos eu vestia grandes túnicas. Ele estava com a sua camisa fina e Londres é uma cidade tão fria no Inverno. Tanto podíamos filmar às 10h ou à meia-noite, quando toda a humidade se acumula. Isso não ajudou, de todo, Heath". A de Ledger não foi a única morte na produção. O co-produtor Bill Vince, 44 anos, lutava contra o cancro durante a rodagem. A sua morte atirou todos os problemas do filme para a outra co-produtora, a filha mais velha de Gilliam, Amy, 32 anos.

"Amy foi atirada para águas profundas", diz Gilliam. "Foi um pesadelo. Ter Colin, Johnny e Jude no programa não foi fácil. Ela foi extraordinária e, provavelmente, a principal responsável para que eu não tenha desistido quando Heath morreu. Eu estava pronto a desistir, era o fim para mim. E ela sempre me incentivou. Há bastante teimosia nos nossos genes", repara com um sorriso.

Vídeo com novas imagens de Heath Ledger

O vídeo contém imagens inéditas que estão no DVD de Dr. Parnassus:



Imagens do vídeo - 118 fotos:
http://www.flickr.com/photos/monicabbm/

Créditos: Monica (Comunidade Heath Ledger Eternamente)